Feb 23 • Raphael Melo

Reflexões Omkula #55 | Pañca prāṇa vāyus parte 3 - O Caminho Alquímico para a Harmonia de Samāna



Ouvimos, ouvimos e ouvimos que a prática de yoga tem como objetivo nos equilibrar. Mas o que isso de fato tem a ver com as origens do Hatha Yoga? Qual o motivo pelo qual os yogis, há milhares de anos, executam técnicas respiratórias incomuns, colocam o corpo em posições estranhas e se dedicam a fazer exercícios aparentemente radicais?

O objetivo é um só: nirodha. Praticar para relembrar, para esquecer, para ser um ser que não é o "eu" que acreditamos ser, mas o "Eu" que sempre fomos e sempre seremos. O equilíbrio do Hatha Yogi, a comunhão com Deus para os religiosos, o experimento do princípio do Dao para os taoístas, a vacuidade dos budistas, o samādhi de Patanjali, śivo'ham para o filósofo Adi Śankaracharya, a profunda conexão e harmonia com o Wakan Tanka para os Lakotas, a união obtida pela sema giratória dos dervixes... a homeostase da ciência (talvez?).

Elas, todas acima, possuem algo em comum: o fim do “dois” pelo mergulho no momento presente. A ação não gera conhecimento, mas sem ação o estar presente não acontece. Afinal, parar requer agir. É o tapas para estar no aqui e agora, entre o pêndulo do ego extremo. Não se auto-realiza no passado, e muito menos no futuro; é apenas no presente que o entendimento de quem somos se desdobra, a ignorância cessa, o medo dorme para sempre. As práticas não são para chegarmos a algum lugar, já estamos. O ser ninguém. 

O yoga oferece uma coletânea de técnicas potentes e diversas que retiram a gosma da ignorância que ofusca o brilho do ātman. Para que o ouro possa ser extraído, o mercúrio precisa ser adicionado. Assim, muitos se tornam um. Após o mercúrio ser eliminado, o que resta é somente o ouro. Assim são as práticas do yoga, ferramentas como o mercúrio para encontrar o ouro de quem somos. Sempre fomos ouro, nunca fomos algo além do ouro, nunca fomos mercúrio tampouco, nunca seremos mercúrio.

De acordo com os textos clássicos do Hatha Yoga, āsana bem executados se tornam selos energéticos potentes, chamados de mudrā. O tripé da prática é sustentado pela respiração consciente canalizada pelo suṣumṇā, o olhar não identificado, chamado de dr̥ṣṭi, e as amarras internas, responsáveis pelo processo alquímico da união de prāṇa e apāna.

Quando prāṇa, ao inspirar, é movido para baixo via jālāndhara bandha, e apāna é movido para cima através do mūla bandha, algo mágico acontece. Sabe quando vamos ao primeiro encontro com aquela pessoa com quem já conversamos há um tempo, mas ainda não conhecemos pessoalmente, e quando a encontramos sentimos borboletas no estômago? Esse calor é chamado de samāna vāyu.

Quando apāna está presente tanto quanto a energia de prāṇa, e eles não competem mais entre si, compreende-se que a existência do inspirar é tão importante quanto a do expirar (e como não perceber isso, não é mesmo?). Essa fusão (soma) se instala na região próxima ao umbigo, a esplêndida barriga de Gaṇeśa. A palavra sânscrita "sam" (junto, completo), o inglês "sum" (total), e o "somar" no português têm raízes comuns no Proto-Indo-Europeu, derivando de "sem-" (um, junto). Embora não estejam diretamente conectadas, ambas evoluíram de forma independente para expressar unidade ou totalidade. O sânscrito influenciou ideias de união, enquanto o latim levou ao conceito de cálculo e soma. A soma dessa união prânica e apânica é ilusória, pois o estado de yoga já é algo existente e intrinsicamente unido por natureza. Dessa forma, podemos então dizer que a prática alquímica retira as ondas do lago para que a transparência do fundo (antes invisível, mas sempre visível) possa ser vista novamente.

Para que tal simbiose já existente possa ser revelada, os saṁskāra precisam ser digeridos. E o melhor lugar para digerir a raiva, por exemplo, é na região do maṇipūra chakra. Ali, tudo precisa queimar. Como uma fogueira que engole tudo o que lhe é oferecido. Porém, é importante saber o que se joga, pois o fogo pode aumentar ou diminuir, e não queremos apagá-lo (se colocarmos, por exemplo, uma madeira muito grande), nem deixá-lo sem controle de forma que se espalhe ou queime rápido demais.

Sabemos que samāna vāyu foi manifestado quando a síntese dos opostos for equalizada, a digestão bem executada e as emoções completamente processadas.

No aspecto físico, todos os āsanas, quando bem feitos, exploram o equilíbrio entre prāṇa e apāna, e consequentemente o “nascimento” de samāna, todavia, podemos dizer que as posturas que exploram mais a região do samāna seriam aquelas que cultivam toda a região do abdômen, a integração com o “core”, ligando respiração e movimento nessa área, processando sentimentos, centrifugando os padrões e experiências.

Lembrem-se, samāna é harmonia. E só se pode estar em harmonia em união.

Gratidão,

Rapha
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